Racismo e encarceramento em massa






Há quem enxergue a discriminação racial como um problema de caráter, uma falha individual. Algo que as pessoas praticam, mas não deveriam praticar. Esta visão moral e redutora do racismo costuma ser empregada por instituições que pretendem isentar a estrutura social de responsabilidade pela reprodução dessas práticas, geração após geração. Felizmente, o documentário A 13º Emenda põe o dedo na ferida mais importante: o racismo nos Estados Unidos não constitui um deslize eventual, mas um projeto voluntariamente perpetrado pelas classes dominantes.

A cronologia adotada pela diretora Ava DuVernay coincide a história dos Estados Unidos com a história do cinema. Afinal, o preconceito é uma questão de imagem, e a cineasta apresenta o clássico racista O Nascimento de uma Nação (1915) como mito fundador da concepção do negro bestial, ladrão e agressivo. A 13º Emenda da Constituição, que prevê o fim da escravidão e a liberdade para todos os cidadãos, faz uma ressalva para pessoas que cometeram crimes. Estas não têm direito a liberdade, tornando-se “escravas do Estado”. Assim, a trajetória das pessoas negras no país está intimamente associada ao crescimento dos interesses conservadores no encarceramento em massa e na exploração econômica das prisões privadas.

Em cerca de 100 minutos, o projeto condensa uma quantidade impressionante de documentos, depoimentos e imagens de arquivo. O formato permanece convencional – DuVernay adota uma narrativa cronológica, e não cria imagens próprias para além das entrevistas – mas apresenta uma agilidade notável na montagem. O ritmo é intenso e agradável, jamais explicando algum conceito de modo incompreensível ao público médio. O uso de trechos de hip hop contribui a criar uma aparência despojada e menos escolar ao documentário, além de apontar para a especificidade da cultura negra. Um ex-presidiário, rumo ao final do filme, fornece uma explicação que serve ao projeto como um todo: “Nós, que somos extensões desta opressão, não precisamos ver imagens para saber o que está acontecendo. Imagens servem para falar com as massas que têm ignorado esta realidade durante a maior parte de suas vidas”.

Fonte: CARMELO, Bruno. A 13ª Emenda - O racismo institucionalizado. Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-249384/criticas-adorocinema/. Acessado em 05/02/2021.




A 13° Emenda
(não recomendado para menores de 16 anos)

Cine debate 29 SET 2021
16:30 - 18:30

Sinopse: Documentário que discute a décima terceira emenda à Constituição dos Estados Unidos - "Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado" - e seu terrível impacto na vida dos afro-americanos.

Ficha Técnica:
Gênero: Documentário, Crime, História
Diretor: Ava DuVernay
Duração: 100 minutos
Ano de Lançamento: 2016
País de Origem: EUA
Idioma do Áudio: Inglês
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt5895028/

Como participar:

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Coordenação: Prof. Ivone Maia de Mello

Crítica:

Por Renan Santos
(Disponível em MKO)

Com A 13ª Emenda (13th) a diretora Ava DuVernay parece potencializar um discurso iniciado em Selma – Uma Luta Pela Igualdade (Selma), e isso por parte dela mesma. Porque se em seu documentário ela consegue fazer essa ponte, com eventos ocorridos há quase meio século atrás, é porque está acontecendo algo que não devia. Assim, partindo da premissa de uma brecha na 13ª emenda da constituição norte-americana, estabelecida no século XIX, que prevê a proibição da escravidão e servidão involuntária, mas as permite em casos relacionados a condenados criminalmente, Ava DuVernay lança um olhar sobre exploração ilegal do indivíduo e a redução dos seus direitos.
 
O que A 13ª Emenda tenta construir é um panorama sobre a atual situação carcerária, e consequentemente social, dos Estados Unidos, país dono da terceira maior população mundial e o quarto maior em área total. Contando com 5% do total da população mundial, a estatística que mais surpreende, no entanto, é a população carcerária do país, que representa 25% do total no mundo. O que quer dizer que, a cada quatro pessoas no mundo, uma está presa nos Estados Unidos. Há, ainda, grandes probabilidades de ser um afro-americano, dada as discrepâncias no tratamento frente as outras parcelas da população, onde a maior economia mundial exerce seu papel com maestria.
 
Para construir seu panorama, Ava DuVernay faz o óbvio, e seus entrevistados vão nos conduzindo pelos momentos históricos que definiram a ação de tal emenda ao longo dos anos. O mais interessante é, entretanto, a maneira como a diretora e seu editor, e também co-roteirista, Spencer Averick, encontram para gerar o que é, basicamente, uma colcha de retalhos. Como não temos perguntas sendo feitas em cena, existem duas possibilidades: Ava DuVernay fez as perguntas certas ou se tratam de ocorrências tão corriqueiras que o aprofundamento no tema revela as falhas tão superficiais do sistema que rege essas vidas.
 
O que surpreende é a maneira como A 13ª Emenda consegue criar um clima demasiadamente envolvente, se tornando hipnotizante quando as declarações dos entrevistados se conectam umas às outras, se completam e se costuram, via mãos dos realizadores, num discurso que estabelece um panorama que seria contundente em qualquer período histórico, mas no momento contemporâneo que se vive, principalmente nos Estados Unidos, se faz também de uma urgência tamanha. O poder com o qual Ava DuVernay consegue demonstrar isso é capaz de causar uma reação catártica que se faz necessária no momento, mas também revelando a persistência de um estigma.
 
Portanto, A 13ª Emenda toma uma posição imparcial, debatendo a violência policial, o movimento Black Lives Matter e a atual corrida presidencial norte-americana. O que conversa diretamente com um dos períodos políticos que mais contribuiu para o aumento da população carcerária do país, quando Bill Clinton, marido da atual candidata à presidência, Hillary Clinton, foi o presidente do país, aprovando medidas que, mais recentemente, ele mesmo afirmou estarem equivocadas. Contudo, hoje também criticando tais medidas, o documentário deixa claro que a própria Hillary Clinton apoiou esforços condenáveis da mídia ao retratar afro-americanos como “superpredadores”, uma atitude deplorável e que surtiu seus efeitos.
 
No entanto, o maior dos efeitos de A 13ª Emenda está em uma de suas montagens finais, que falam abertamente da maneira como a campanha de Donald Trump se desenrolou ao longo do ano eleitoral de 2016. A justaposição de imagens, de um período onde havia uma segregação e um ódio criminoso de um lado, e das confusões e declarações de Donald Trump em seus eventos de outro, Ava DuVernay não crítica só o candidato mais controverso na história do país, mas um estado de ignorância que se vê estagnado ao longo dos anos, encantado por um conto que dá um tom de vilania às minorias.
 
Ali vem todo o questionamento de uma política feita unilateralmente, onde preconceito e xenofobia regem uma atitude frente ao afro-americano que, encurralado frente a leis que, mesmo que não assim referidas, são ainda segregacionistas. A terra dos livres, no entanto, pouco interesse tem no desenvolvimento e na melhoria da qualidade de vida dessa sua parcela da população. O que, por um lado, quando renegado esse reconhecimento e esse tratamento com igualdade, acaba causando uma influência negativa em todo o restante da população. É um ciclo vicioso onde a negligência e a precipitação, baseadas em rótulos raciais, não abre espaço ou oportunidades para a mudança no geral.
 
Algo que acontece desde antes do estabelecimento de uma emenda que abre uma brecha tão inconsequente, a um diretor tão prestigiado como D.W. Griffith e seu equivocado O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation), até o atual candidato à presidência dos Estados Unidos. Mas na era digital, onde vozes são ouvidas com maior facilidade e a diversidade se faz presente, por que nada muda? Numa construção do afro-americano tão constante como a de uma figura marginal que oferece tais ameaças, a comodidade se torna uma opção mais do que palpável, porque é mais fácil aceitar tais ideias, impostas desde o princípio onde direitos eram um distante sonho dos escravos. É chocante, então, quando confrontamos a realidade, porque se tolerou-se uma quantidade inumerável de atos cruéis ao longo de anos de luta por direitos, igualdade, melhorias e respeito, não é tão surpreendente ver que desempenhamos um mesmo papel, de espectadores tolerantes.

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